Arquivo / abril, 2009

Elis Regina

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Uma das fotos do ensaio sobre Elis Regina para a revista Veja.

Jornalismo nos anos 60

 

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No final do ano passado passei algumas madrugadas acompanhando a impressão do meu livro Gente X Mato na gráfica Atrativa. Enquanto aguardava a troca de cilindros ficava perambulando para não dormir.  Assim, fui parar em um depósito de sobras de papeis e livros que iriam para a reciclagem.

Entre calendários, encartes publicitários  e rótulos encontrei o livro “O Design Gráfico Brasileiro Anos 60”  de Chico Homem de Melo (org.). 

Passei o olho no livro e imediatamente comecei a fazer um balanço, uma conta de chegada, com o que eu tinha produzido desde o começo da profissão e o que estava sendo rodado do outro lado da parede. 

Entre um calafrio e outro eu folheava o livro que mostrava exemplos de belas aberturas de matérias, capas e reportagens, todas feitas por grandes fotógrafos, meus mestres, minhas referências, que eu me considerava  íntimo de tanto folhear as revistas em que eles trabalhavam.

Voltei para a impressora que rodava mais um caderno do meu livro repassando as páginas com as reproduções das fotos de Jorge Butsuem, Lew Parrella, Luigi Mamprin, Maurren Bisiliat, David Zingg(autor da foto de Caetano Veloso publicada na revista Realidade) Claudia Andujar, entre tantos outros.

Olhei a prova do caderno na mão do impressor e me senti confortável, estava honesto.

Nicarágua

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Guerra da Nicarágua 1979

Sandinista circula pelas ruas da cidade de Leon, tomada pela guerrilha, semanas antes da chegada em Manágua para derrubar o ditador Somoza. Alguns guerrilheiros eram moradores das cidades;  para não serem reconhecidos usavam disfarces como este da foto que tem na cintura uma escova para manter a peruca penteada.

Os índios gigantes


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O som dos motores do Búfalo da FAB, um bimotor enorme com capacidade para transportar vários veículos,  quebrou o ruído de machados e enchadões dos índios que destocavam os paus do campo de pouso nas margens do rio Peixoto de Azevedo.

A missão do avião era lançar tambores para que os trabalhadores da rodovia Cuiabá-Santarém,  a BR 163, construissem uma balsa para atravessar equipamentos e tratores.

Depois que os 35 homens comandados por um tenente do 9º BEC, Batalhão de Engenharia e Construção de Cuiabá atravessaram o rio para continuar no rumo de Santarém a expedição de contato, comandada pelos irmãos Claudio e Orlando Villas Boas, começou a construir canoas para descer o rio Peixoto de Azevedo e iniciar a aproximação com os Kranhacãrore.

Hoje, quase 40 anos depois,  a estrada fica intransitável na época das chuvas. Agora, a ameaça, segundo os ambientalistas, é o asfalto que os produtores de soja prometem levar até Santarém, uma saída muito mais lógica para a produção que os portos do sul mas, em tempos de contas justas, não se sabe o que é pior. Passar asfalto e acelerar  a destruição do pouco que resta de mata nativa na região de Santarém ou queimar milhões de óleo diesel para embarcar a soja em Paranaguá.

Mal ou bem a BR 163  ainda vai a algum lugar, pior estão as conterraneas Transamazônica e Perimetral Norte que não chegaram a engatinhar e já estão mortas. Poderiam, pelo menos, servir como mea-culpa, exemplo de serviço mal feito e descaso. Mas, nem isso.

Arte de quem?


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Rio Içana – Cabaças sobre girau de taquari amarrados com cipó

Quando passei pelo Estúdio Abril tentei aprender a fotografar com uma câmera 4X5. Não deu certo porque me doia as pernas ficar em pé dentro do estúdio por muito tempo e, tambem porque não tinha paciência na arrumação dos objetos para fazer um “still” decente. A Sinar tambem era um grande complicador para quem estava acostumado a carregar máquinas a tiracolo.

Eu admirava a paciência dos fotógrafos do estúdio que poderiam passar o dia em cima de uma escada construindo o alinhamento da foto no quadriculado do vidro despolido. Ficava encantado com as artimanhas cheias de criatividade para lançar um fio de luz sobre o “produto”.

A seção que começa hoje, Arte de quem?, vai mostrar fotografias, reproduções de obras de artistas desconhecidos que constroem ponto de vista e idéias com o toque ingênuo e puro transformando o cotidiano banal que o olhar de grande angular costuma atropelar.

Sempre, quando estou fotografando tenho a sensação que estou reproduzindo uma obra de arte do acêrvo de algum museu ou de uma Bienal de Artes Plásticas.

Estes anjos da guarda…

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Sertão do Inhamuns-CE

Cuscuz (Paulista?)

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Minha mãe avisava com antecedência que faria um cuscuz para garantir que teria a platéia de seus oito filhos. Na minha casa era um prato nobre.

Ela não tinha paciência para fazer um “mesan place” mas explicava todos os detalhes da feitura e os enventuais problemas caso não se respeitasse os cuidados de cada etapa. “Coloque a farinha aos poucos no molho, não é para mexer, é só envolver, devagar, senão vira um pasticcio”.

O cuscuz não tinha receita, ela tinha aprendido com uma empregada. Aliás, ela adorava as receitas das empregadas,que depois de aprovadas passavam a ter o nome da autora.

Bom, certamente a receita do cuscuz não veio de Bari, na Itália, terra de minha avó, tampouco de Udine, onde nasceu meu avô.

A verdade é que eu não vi mais o cuscuz da minha mãe desde que cheguei em São Paulo, em 1970. Fiquei com a cuscuzeira, esta da foto acima, e de vez em quando relembro aqueles tempos fazendo um cuscuz e recordando minha mãe.

Se tiver alguém por perto vem uma pergunta certeira, “para que serve este pano?”

Pronto, neste momento eu tenho certeza que o nosso cuscuz bateu asas para sempre. Para que o pano se hoje se faz cuscuz na panela, além de ter um concorrente marroquino em pacote que invadiu a nossa praia?. Nada contra, mas o cuscuz paulista não é feito com sardinha em lata. Ou será que as mães, avós, bisavós, tataravós…da empregada da minha mãe usavam sardinhas “Coqueiro” para fazer o legítimo cuscuz paulista?

Espelho da Lua

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Quem navega pelo rio Nhamundá,  divisa dos estados do Amazonas e Pará, vai observar do lado esquerdo de quem sobe um morrote que vai crescendo por cima das copas das árvores. É o começo da Serra do Espelho da Lua.  No ponto mais alto da serra o rio se abre em uma grande praça deixando o céu azul ficar estampado nas sua superficíe. O barco navega sobre as nuvens brancas refletidas na água espelhada, silenciosa. 

Ali é o Espelho da Lua, onde o navegador Francisco Orellanas avistou, segundo uma das lendas regionais, as mulheres Amazonas, que não tinham um seio para facilitar o manejo do arco. 

Em algumas das diversas versões da lenda do homem-boto, ele esta vestindo um smoking antes de mergulhar no rio para virar boto. O curupira tem no lugar do rosto um imenso umbigo e as Amazonas sequestravam homens que viviam do outro lado do rio, onde hoje esta a cidade de Faro, no estado do Pará,  para satifazer seus desejos  sexuais e depois serem devolvidos. 

A descrição do figurino do homem-boto e o tipo físico das amazonas fica por conta da imaginação de cada cada um, de cada região. O caboclo acredita  em todas as versões porque foi criado dentro de um mundo lúdico, mágico.

As crianças crescem sabendo que um dia vão ser anjo na procissão do Círio de Nazaré e as asas que elas tem nas costas são para voar até o céu.

A paca e a televisão

O abismo que separava a informação da cidade do povo do mato acabou. Hoje todos estão cansados de saber que é preciso preservar as florestas e os rios.

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Nos dias de hoje o aparelho de televisão deixou de ser o objeto de desejo das famílias que habitam os confins da Amazônia. É parte do dia-a-dia dos ribeirinhos. Nas comunidades do interior, a energia é fornecida por um gerador movido a óleo diesel que é chamado de motor de luz. São minitermoelétricas que funcionam duas horas por noite, o tempo necessário para assistir o jornal e a novela das oito. Este tempo pode aumentar nos dias de futebol e fins de semana. O óleo diesel fornece a energia das lamparinas que iluminam as casas daquele sertão sem fim e é consumida por grande parte da indústria de uma capital como Manaus. Para o abastecimento da cidade, petroleiros enormes têm que navegar pela costa brasileira, entrar no Rio Amazonas e subir até Manaus para entregar diariamente milhões de litros de diesel.

No interior, um motor econômico gera duas horas de energia por 4 reais – que é o preço de 1 litro do óleo diesel na região. Esse valor é equivalente ao preço pago pelo regatão – um barco supermercado – para os bichos de casco, como são chamadas as diversas espécies de quelônios da região. Duas horas de televisão por uma tartaruga. Uma paca pode valer até cinco litros de diesel na beira do rio. No mercado da cidade, o preço da paca dobra em dinheiro vivo.

Os moradores isolados também podem contar com uma placa de energia solar para carregar uma bateria de automóvel e fazer uma televisão em preto-e-branco funcionar por seis horas. Também é possível falar de orelhões via satélite praticamente a cada curva de um grande rio.

O abismo que separava a informação da cidade do povo do mato acabou. Hoje todos estão cansados de saber que é preciso preservar as florestas e os rios. Por mais distante que esteja o cidadão na Amazônia, ele já ouviu dizer que é proibido comercializar qualquer tipo de bicho. Sabe que pescar pirarucu na época do defeso é crime ambiental, inafiançável – mas não tem certeza se entende o que é sustentabilidade, que tanto houve falar na televisão. Sem o dinheiro que ganha com a caça e a pesca, como comprar óleo diesel para ver televisão? Sem falar em produtos de primeira necessidade, como açúcar, sal, fumo, um chinelinho de dedo, uma roupinha, o tesado, fósforo, uma rede ou um frasco de dipirona. A televisão fala muito, mas ainda não explicou direitinho como substituir esta moeda tão valiosa e muito usada desde o descobrimento.

Dona Deosina mora no Paraná do Supiá, no rio Solimões e adora creme de cupuaçu gelado. Foi assistindo à televisão que aprendeu uma receita simples e deliciosa:

Bata no liquidificador, meio quilo de polpa de cupuaçu, uma lata de leite condensado, uma lata de creme de leite e, para finalizar, jogue raspas de limão siciliano por cima. “Faço o doce quando encomendo para o regatão o creme de leite e o leite condensado, bato no liquidificador na hora da novela e aproveito o gelo que é deixado para o meu marido gelar os peixes do dia. Um dia eu vou conseguir este tal limão siciliano”.

A cada dia o caboclo se sente menos isolado e mais próximo das ofertas que a televisão mostra. Ele quer um interruptor que faça luz a hora que ele bem entender. O objeto de desejo agora é finalizar creme de cupuaçu com raspa de limão siciliano e comê-lo geladinho.

Pedro Martinelli

Uma fotografia ainda vale mil palavras?


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Raramente se vê uma fotografia de página inteira, destas de tirar o fôlego, como as fotos que ilustram estas capas do Jornal da Tarde. 

Pior que a dor da constatacão nos dias de hoje é a falta de referência, fundamental para rever processos e aprender. Não é um monte de megabytes na mão que faz uma ilustração. Ficar babando na qualidade do foco cortante na frente de um computador é um atraso de vida. Muito melhor e mais saudável para o olho que encosta no visor de uma câmera é bater perna na rua, ler, ir no cinema, vadiar, para não correr o risco de ficar se achando o rei da cocada preta.Â