Arquivo / abril, 2009

Leitura de port-folio

 

leitura

Paris

Esta é a terceira foto da série que comecei a publicar na terça-feira com o título “Cuba” e depois a foto de ontem com o título “Namíbia.”

São fotos soltas que não fazem parte de nenhum tema, tomadas nas andanças deste mundo sem fim.  Sem compromisso este flanar fotográfico é muito relaxante. 

O ritmo da pernada tem disfarce de turista mas a garganta fica meio seca e o coração esta pronto para dar o bote no primeiro grafismo que pintar na frente, ou numa janela com cortina rendada e vaso com flores.

Dentro deste estado de encantamento tudo é permitido, faz bem para a alma enxergar outras paisagens, fazer experiências.

Estas fotos estão na gaveta há anos e  sempre que eu as encontro digo, interessante, bacana e não sai disso. Porque não tem mais nada além disso. É só isso mesmo. 

Agora, este material ganharia interpretações inusitadas nas mãos de um curador. 

Pode mudar de nome, passar a ser obra e como toda obra a leitura do especialista é sempre impressionante, dúbia, subjetiva, uma massagem no ego do autor, principalmente quando a consulta é cobrada, claro. 

Uma leitura de port folio deve ser feita no material bruto e não no editado pelo autor. A leitura dos contatos de um trabalho deixa registrado, por exemplo, como o fotógrafo começou o dia. Se estava com a lente certa na hora certa e quantas fotos foram “atropeladas”, não enxergadas pelo fotógrafo. O contato é a caixa preta de um avião do fotógrafo. Leitura de port-folio é dissecar fotograma por fotograma e o autor deve estar preparado para ouvir o que não quer. Jogo aberto e franco, não vale justificativas.

Namíbia

swuoakapa

Swakopmund

Cuba

malecon1

Malecon-Havana

Tudo ao mesmo tempo

Sequência 1

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conto2

conto3

Consegui escapar do Tiro de Guerra alegando que era o mais velho de oito irmãos e porque tinha tres empregos. Era verdade. Na época eu era fotógrafo do Diario do Grande ABC em Santo André. De lá eu vinha para São Paulo trabalhar a noite, no laboratório do jornal Última Hora, e fazia um plantão como fotógrafo na Polícia Técnica no sistema 24 por 72 horas. Era tudo o que eu queria, viver fotografia dia e noite. 

Uma tarde fotografei um acidente, com morte, para o jornal que interditava a Av. Pereira Barreto em São Bernardo. Comecei  meu plantão na Polícia Técnica as 22 horas em São Paulo e minha primeira saída foi para fotografar o acidente que eu tinha fotografado oito horas atrás. A avenida ficou interditada até a chegada da Técnica. As fotos eram feitas no tripé com uma Rolleiflex e filme Gevaert ISO 25. O tempo de exposição era uma eternidade. Adrenalina pura calcular no olhometro os tempos de exposição. 

Na Polícia Técnica aprendi a fotografar com farol de carro, luz de lanterna e até com a luz de uma fogueira. No jornal fazia tudo, de futebol a jantar do Rotary e como laboratorista da Última Hora volta e meia eu escapava para ir a uma delegacia fotografar algum flagrante. Tudo ao mesmo tempo. Cada dia uma história.

Sequência 2

fumo1

fumo2

Arte de quem?

canoa-e-lenha1

Rio Içana-Amazonas

O feixe de lenha que dará o gosto especial ao peixe moqueado é trazido pelas índias Baniwa ao final do dia de trabalho na roça.

Domingo é dia de Pelé

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Rivelino no final de um a partida contra o Santos no Pacaembú.  

Não sei quem ganhou mais no confronto entre Corinthians e Santos mas eu lembro que na época do Pelé o sofrimento dos corinthianos foi grande. Fotografei muitas partidas entre Pelé e Rivelino. Vi o bandeirinha atrapalhado, sem saber o que fazer, vendo a bola lançada pelo Rivelino sair do campo no ar, em curva, e voltar para dentro do campo no pé do atacante. Que coisa, a sensação era que o estádio ficava em silêncio enquanto a bola viajava.

O Corinthians esteve na frente do placar muitas vezes mas no fim, quando tudo parecia perdido, para o Santos é claro, o crioulo aparecia tropeçando no adversário que ficava completamente hipnotizado, imóvel deixando o gênio passar para deixar mais um gosto de fel na garganta da torcida corinthiana. 

“Eu detesto futebol. Eu gosto do Pelé”, dizia minha mãe para desespero de meu pai, corinthiano roxo.

Filho de peixe, peixinho é, mas eu tambem adorava aquelas tardes de Pelé, mesmo que a boca ficasse amarga a semana inteira.

 

b

Pitiú, catinga, maresia…

pitiu-frango

Os caiçaras da baixada santista costumam dizer que marisco passado tem cheiro de maresia. O bode é catingudo para os sertanejos e o caboclo diz que o peixe que cheira esta com pitiú.

No Amazonas a caldeirada de branquinha salmorada é um clássico. O peixe fica descansando por alguns minutos numa salmoura de água, sal, limão e depois é cozido com cheiro verde e comido com farinha de puba e pimenta murupi.

Quando Dona Neide mudou-se do médio Purus para Manaus adicionou vinagre a solução de salmoura com limão e passou a desinfetar carnes, principalmente a de frango, “para cortar o pitiú de pena escaldada que o frango de granja tem”.

Em Rio Branco, no Acre, o açougueiro colocou os frangos de terreiro dentro de um saco plástico aberto, “porque frango de roça tem pé grande e é espaçoso, por isso o saco tem que ser maior, para ventilar”.

A Amazônia não é a floresta, a Amazônia é o homem

 

menina-irapuca

Menina com uma irapuca que a mãe mandou pegar no curral para o almoço.Lago Baependi-Rio Negro/AM

pe-menino

Um pescador de peixinhos ornamentais furou o casco do tracajá e fez “um carrinho” para o filho que “nunca põe o pé em terra firme”. Lago do Capeta-Rio Solimões/AM

Até pouco tempo atrás existia um abismo que separava a informação entre nós, daqui do sul, e o povo do norte, ou  o”nortão” como costuma se autodenominar o morador que vive na última mancha verde, quase intocada, no rumo das cabeceiras dos rios Solimões, Negro, Purus, Madeira e Amazonas . 

Com uma pequena placa de energia solar, antena apontada para o satélite e uma bateria de carro o caboclo recebe o Jornal Nacional e a novela das oito esteja onde estiver. Informação em tempo real. 

Maravilha. O caboclo está adorando. Se sente no paraíso quando vê o noticiário sobre a violência urbana, fica impressionado com o trânsito, com a quantidade de edifícios, acha que a civilização está aqui e que nós flanamos o dia todo de um cômodo para o outro como os personagens das novelas. 

Não, ele sabe separar o mundo lúdico do real e dar os devidos descontos como se estivesse assistindo a encenação de seu boi preferido na arena de Parintins. 

Nós aqui é que estamos marcando passo. O satélite fotografa a Amazônia, nós nos debruçamos sobre as fotos e não conseguimos sensibilizar ninguém sobre a necessidade de se manter o mato em pé. Pior ainda, não descobrimos que a Amazônia não é a floresta, a Amazônia é o homem. 

Nossas crianças aprendem sobre a fauna e  flora como se todos os bichos estivessem num zoológico distante como a Disney. Falamos sobre os índios, nosso clichê exótico favorito, mas não é legal dizer que as crianças foram criadas comendo tartaruga e veadinhos. Que as araras são flechadas na asa para não morrer e virar uma fornecedora de penas para fazer cocás magníficos que a gente fotografa sem cansar. 

É uma pena porque são belas histórias, verdadeiras, que ajudariam muito a entender melhor aquele mundo pouco compreendido.  Se as crianças deste lado do país soubessem que indiozinhos e caboclinhos não tem padaria, supermercado ou açougue  para comprar seus alimentos estariamos garantindo, pelo menos, encontros e conversas sem discriminação no futuro.

Estes anjos da guarda…

estes-anjos

 

 

 

 

 

 

 

 

Outeiro-Pará

Armando Barreto

carrozinha

Esta foto de Armando Barreto foi primeira página do Jornal da Tarde em 1970. O jornal publicou duas páginas gráficas com fotos da sequência do momento em que o cão do garoto da foto estava sendo capturado. Se não me engano, ele ganhou o Prêmio Foca de Ouro Nacional, que antecedeu o Prêmio Esso. A reportagem criou grande comoção na cidade e os métodos de captura com laço foram revistos.