A paca e a televisão

O abismo que separava a informação da cidade do povo do mato acabou. Hoje todos estão cansados de saber que é preciso preservar as florestas e os rios.

Sustenta

Nos dias de hoje o aparelho de televisão deixou de ser o objeto de desejo das famílias que habitam os confins da Amazônia. É parte do dia-a-dia dos ribeirinhos. Nas comunidades do interior, a energia é fornecida por um gerador movido a óleo diesel que é chamado de motor de luz. São minitermoelétricas que funcionam duas horas por noite, o tempo necessário para assistir o jornal e a novela das oito. Este tempo pode aumentar nos dias de futebol e fins de semana. O óleo diesel fornece a energia das lamparinas que iluminam as casas daquele sertão sem fim e é consumida por grande parte da indústria de uma capital como Manaus. Para o abastecimento da cidade, petroleiros enormes têm que navegar pela costa brasileira, entrar no Rio Amazonas e subir até Manaus para entregar diariamente milhões de litros de diesel.

No interior, um motor econômico gera duas horas de energia por 4 reais – que é o preço de 1 litro do óleo diesel na região. Esse valor é equivalente ao preço pago pelo regatão – um barco supermercado – para os bichos de casco, como são chamadas as diversas espécies de quelônios da região. Duas horas de televisão por uma tartaruga. Uma paca pode valer até cinco litros de diesel na beira do rio. No mercado da cidade, o preço da paca dobra em dinheiro vivo.

Os moradores isolados também podem contar com uma placa de energia solar para carregar uma bateria de automóvel e fazer uma televisão em preto-e-branco funcionar por seis horas. Também é possível falar de orelhões via satélite praticamente a cada curva de um grande rio.

O abismo que separava a informação da cidade do povo do mato acabou. Hoje todos estão cansados de saber que é preciso preservar as florestas e os rios. Por mais distante que esteja o cidadão na Amazônia, ele já ouviu dizer que é proibido comercializar qualquer tipo de bicho. Sabe que pescar pirarucu na época do defeso é crime ambiental, inafiançável – mas não tem certeza se entende o que é sustentabilidade, que tanto houve falar na televisão. Sem o dinheiro que ganha com a caça e a pesca, como comprar óleo diesel para ver televisão? Sem falar em produtos de primeira necessidade, como açúcar, sal, fumo, um chinelinho de dedo, uma roupinha, o tesado, fósforo, uma rede ou um frasco de dipirona. A televisão fala muito, mas ainda não explicou direitinho como substituir esta moeda tão valiosa e muito usada desde o descobrimento.

Dona Deosina mora no Paraná do Supiá, no rio Solimões e adora creme de cupuaçu gelado. Foi assistindo à televisão que aprendeu uma receita simples e deliciosa:

Bata no liquidificador, meio quilo de polpa de cupuaçu, uma lata de leite condensado, uma lata de creme de leite e, para finalizar, jogue raspas de limão siciliano por cima. “Faço o doce quando encomendo para o regatão o creme de leite e o leite condensado, bato no liquidificador na hora da novela e aproveito o gelo que é deixado para o meu marido gelar os peixes do dia. Um dia eu vou conseguir este tal limão siciliano”.

A cada dia o caboclo se sente menos isolado e mais próximo das ofertas que a televisão mostra. Ele quer um interruptor que faça luz a hora que ele bem entender. O objeto de desejo agora é finalizar creme de cupuaçu com raspa de limão siciliano e comê-lo geladinho.

Pedro Martinelli

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