O clima na expedição de contato do Ãndios gigantes, os Kranhacãrore, não era dos melhores no final do ano de 1972. Chovia muito, a pista de pouso ficou  interditada e os Ãndios tinham sumido. Os 30 Ãndios xinguanos que formavam a expedição só pensavam nas suas famÃlias, nas roças deixadas, o cansaço dos dias intermináveis deitados na rede e a comida ruim do acampamento era um tormento. Sem a caça fresca do dia a vida era bem pior, se resumia ao arroz quebradiço e o feijão de segunda cozidos com pouco óleo e farinha. Para dar um ânimo no pessoal  Claudio Villas Boas resolveu deixar que se atirasse uma anta e como estavamos próximo do ano novo imaginei juntamente com meu companheiro Mamprim e autorização do Claudio  um grande churrasco que seria assado em um enorme girau. Não sei onde tirei a idéia mas a anta seria assada em  grandes quartos com couro e tudo, primeiro o couro virado para baixo em contato com a brasa. Claudio colocou uma condição para caçar a anta. Ela deveria ser atirada do outro lado do rio para não assustar os Ãndios com uma carabina calibre 44, a única da expedição que ficava sob a guarda do Claudio. Para a caça do dia-a-dia todos tinham uma carabina 22 e podiam atirar a vontade em macacos, jacus e porcos do mato para ajudar no abastecimento do acampamento. Um grupo de seis Ãndios cruzou o rio e em pouco tempo matou uma anta que não estava em um lugar muito fácil para ser removida. Estava no fundo de uma grota dentro de um um brejo e mais de dez homens foram requisitados para transportar a anta até a canoa e depois até o acampamento.
O girau do churrasco era portentoso, quatro forquilhas enormes nos cantos davam sustentação a toda a estrutura que era coberta por varas verdes e sobre elas  seis grandes pedaços, as costelas os dianteiros e os trazeiros.
Este jeito de fazer eu devo ter ouvido de algum peão de trecho que me ensinou que o calor deveria passar pelo couro e ir cozinhando a carne aos poucos. Não era de todo mal mas demorou uma eternidade.
Eu não sei, não me lembro exatamente mas deveria ser dia 30 ou 31 de dezembro e depois de horas, com todo mundo trabalhando no girau, virando pedaços, abastecendo a fornalha a cor da carne foi ficando cada vez mais bonita. Claudio  cortou uma lasquinha com sua faca, Bedjai o Txucarramãe tambem, Tamuk o primo já falecido abriu um sorriso e arrancou uma lasca com a mão e começou uma falação, pronto o ataque começou. Comemos sem parar até o anoitecer. No dia seguinte todo mundo passou mal. Todos com diarréia,  não escapou nenhum. Mesmo assim os Ãndios não deixaram o fogo apagar, a anta ficou moqueando lentamente no fogo baixo e na fumaça até a noite do dia seguinte quando o pessoal voltou para comer o que tinha sobrado.
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