O nosso Avatar

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Um belo dia, a muito tempo atrás, entrei em um bar de Lisboa para tomar um café e vi na vitrine do balcão um queijo branco pequeno do mesmo formato e tamanho de um pudim de leite condensado, destes de padaria. Pedi um para acompanhar o café. Era o nosso queijo mineiro escrito. De lá pra cá eu refiz a picada dos bandeirantes Fernão Dias e Raposo Tavares centenas de vezes em sonho,  muitas vezes de carro e alguns trechos desta imensa trilha que vai de São Paulo a Minas a pé. Aproveitei minha experiência na frente de atração dos índios gigantes, os Kranhacãcore, com os irmãos Villas Boas onde andamos quase um ano a pé sobrevivendo basicamente de caça e peixe e fui reconstruindo, sempre na imaginação, como teria sido desbravar aquele sertão virgem entre São Paulo Paraná, Santa Catarina e Minas.

Nas minhas contas comida brasileira e história devem ir para a mesa juntos. Meus livros sempre começam pela cozinha, é o meu jeito de cavocar e entender o Brasil. A turma da gastronomia já deve estar meio cheia desta ladainha mas, quero aproveitar a matéria sobre cuscuz do Caderno Paladar do Estadão que saiu na quinta-feira passada e requentar a história sobre a origem do cuscuz paulista. O cuscuz paulista morreu, virou cuscuz de sardinha em lata. Uma pena porque o cuscuz paulista é o nosso Avatar. Nele esta inserido um mundo imagético tão maravilhoso e deslumbrante quanto aquele que esta passando nos cinemas do país mas, o brasileiro não sabe mais o que é ou o que foi a Mata Atlântica neste pedaço de Brasil. Daí a importância de um prato de comida que tem embutido uma história como esta ser relembrado. O Paladar podia ter dado uma mão para melhorar a qualidade de informação sobre este prato que tem uma belíssima história de Brasil que anda junto, faz parte da origem do prato. O cuscuz de legumes, de sardinha, de frango, não é cuscuz paulista.  Pode ser muito bom mas, é outro cuscuz. Não é cuscuz paulista.

O cuscuz  paulista nasceu comida de tropa, era uma farofa de carne de caça quando as bandeiras partiam de São Paulo para descobrir o interior do país. Os bandeirantes carregavam  muito chumbo, pólvora e espoleta para se defender dos índios e caçar. Não carregavam latas de sardinha, frangos ou legumes. Eles matavam pacas, veados, porcos do mato, jacus, antas  e todos os índios que aparareceram na frente para ameaça-los. Ali nasceu muita comida boa que nós pouco sabemos, como fizemos com o cuscuz paulista, com o tempo fomos dando de ombro. Como bons Maria-vai-com-as-outras , acho que fomos se envergonhando da nossa gente do campo, da nossa roça,  fomos embarcando deslumbrados na sabedoria de gente civilizada que admiramos ate hoje, principalmente  quando se fala de comida,  como os franceses e os italianos. Acontece  que estes europeos nunca perderam de vista um milímetro, exatamente o que nos faz mais falta hoje, os fundamentos, que a história ensinou a eles sobre a terra os animais, os artesãos, as guerras. Nós, hoje, penamos, batemos cabeça, mal e mal conhecemos um pouco das nossas farinhas, um alimento brasileiro legítimo e somos capaz de jurar que o portugues do bar de Lisboa copiou a receita do nosso queijo mineiro. Fazer o que? Temos cuscuz com Avatar mas preferimos cuscuz de sardinha em lata.

2 Comentários

Ernesto Tambaschia - Campinas   em 12 abril, 2010

Caro Pedro.

Acompanho seu blog este que o Juca Kfouri indicou, acho que mais ou menos a 2 anos. Gosto muito e recomendo aos meus amigos, e o tenho linkado em meu blog. Quanto ao post acima, concordo com você e o que é mais legal ainda é que lendo suas expedições com os índios, coincide muito com livro que estou lendo que é Confissões do Darcy Ribeiro. Muito bom mesmo. Continue com estes post´s maravilhosos.

Abraço do Ernestão.

Marise   em 12 abril, 2010

Que beleza de texto!
Minha cabeça viaja muito por esses caminhos…
Não vi Avatar ainda, mas li, com muito prazer, ” A capital da solidão”, de Roberto Pompeu de Toledo.
E, o Câmara Cascudo, claro!
Comida conta muita história!
E tem também as artesanias todas: crochê, cestaria, canecas de lata, tanta, tanta coisa, tantas técnicas que chegaram até nós pelos meandros da história, pela mistura de povos. Ou que não chegaram, pelas mesmas razões…
Abç.
Marise

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