O “namoro” com os gigantes

bonecas-e-varal

“Nós vamos morar no quintal da casa deles para eles se acostumarem com a nossa presença. Muita atenção, ninguém dá um passo fora do acampamento sozinho, eles podem se atrever e vir para cima. Caçar só com 22 para não assustar o índio. Demonstrar que somos alegres, conversar, rir, brincar na água é muito bom. Ajuda na aproximação. Não vamos nos apressar, forçar o contato, a estrada que se dane. Vamos ficar aqui esperando eles chegarem. Este contato será um longo namoro.” Claudio repetiu estas frases por quase três anos, até o dia do contato em abril de 1973.

O dia-a-dia da expedição era virar mato, caminhar o dia todo atrás de algum vestígio dos gigantes, rastros, pontas de flechas, roças ou alguma picada de caça.

Quando chovia ficávamos no acampamento produzindo objetos para colocar em um varal de presentes que era colocado na picada, ou na beira de algum igarapé que fosse passagem dos índios. Claudio comandava tudo até o número de colares que deveriam ser produzidos e lembrava o tempo todo para não desperdiçar as contas que eram importadas. “Custam muito caro, a FUNAI importa da Checoslováquia”,dizia ele. Uma vez me pegou fazendo um colar de duas cores, mas esta história e vou deixar para uma outra hora.

Em um cipó atravessado na picada penduravam-se quinquilharias como bonecas negras e loiras, bolas de plástico, carretel de linha para costura, pentes, pincel de pintura e espelhos que eram estraçalhados a bordunadas. Uma vez os Kranhacãrore amarraram uma asa preta de um jacu no pescoço de uma boneca. Ficamos dias tentando decifrar o que eles quiseram dizer com aquilo.

Todos os caldeirões e bacias de alumínio, as facas, facões e machados eram levados. Certa vez penduramos um jaú de 40 quilos na picada com um anzol espetado na boca e um rolo de linha de nylon. Não deram a menor bola. O peixe apodreceu. Depois recortamos peixes em papelão com a intenção de ensina-los a pescar com linha e anzol. Esta modalidade de “presente” era meio aflitiva quando se imaginava os índios manuseando os anzóis e o perigo das farpas.

Na ̩poca o jornal O Globo ṇo tinha cor. Tudo era feito em preto e branco com o velho e bom Tri-X. Eu usava dois corpos de Nikon F sem fot̫metro, uma lente normal e uma Zomm 85mm/250mm Р1.4:45. Foco e Zoom era feito no mesmo anel. A lente eram minha segunda pele, era a extenṣo do meu corpo e eu me aproveitava disso.

Levei por minha conta uma Pentax que também não tinha fotômetro e alguns Ektachrome ASA 100. Luigi Mamprin fotógrafo da Realidade trabalhava com Nikon e Leicas M, tinha fotômetro de mão e só fazia cor. Quando estávamos perto um do outro ele me dava o placar da luz em voz alta. Esta foto, eu me lembro bem, ele me deu o diafragma e mandou fechar meio ponto. Esta é uma chapa com quase quarenta anos, exposta pelo meu saudoso amigo e companheiro de expedição Luigi Mamprin.

2 Comentários

Hélio   em 31 agosto, 2009

Pedro,
Parabéns pelo blog.
Hoje, 31 de agosto, é comemorado na web o blogday, onde sugerimos boas leituras em outros blogs. Indiquei o seu.
Deixei o comentário aqui, pois não achei uma forma de mandar um e-mail. Se me permite uma sugestão: que tal um botão “Entre em Contato�
Bons ventos sempre,

Pedro Martinelli   em 31 agosto, 2009

Muito bom Hélio, obrigado.
abs.

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