Escola do Mato

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Comecei a andar no mato antes de ser fotográfo. Meu pai caçava na Serra do Mar. Com ele apreendi a não pisar num taquari para não espantar a caça e não tropeçar em estrepe.

Aprendi a ficar quieto, imóvel para  ouvir o som do pio do macuco. Ouvi e dei muitos tiros. Voltava para casa de trem, meu pai com a espingarda a tira-colo e na mochila o macuco e alguns palmitos.

Com minha mãe aprendi tratar a  caça e refoga-la lentamente em panela de ferro no fogão a lenha. Seus oito filhos aprenderam todas as tarefas de casa, da cozinha até passar o colarinho de uma camisa sem deixar vinco.

Como mais velho ajudei a cuidar dos pequenos. Fiz mamadeiras, troquei fraldas e lavei muita louça. Adorava a casa e o mato.

Atrás de um emprego vi, por acaso , uma fotografia aparecer no laboratório  do Chico, na Gazeta Esportiva, sucursal de Santo André.

Amor a primeira vista. Era aquilo que eu queria fazer.

Apreendi a fazer jornal desde dirigir a Kombi até entrega-lo de casa em casa.
O  mato foi ficando cada vez mais distante da minha casa. Já não havia mais a divisão do veado caçado no domingo, as histórias, a cachorrada.

Eu tambem já não aparecia mais, já não andava mais com meu pai. Os macucos, urus e jacus foram desaparecendo. Minha mãe reclamava a falta dos nambus refogados em caçarola com spaguetti, o jantar nobre das segundas-feira.

Meu pai continuava virando mato. Morreu no mato.

A fotografia me levou a Amazônia em 1970. Era um sonho. Apreendi e conheci com meu pai, Claudio e Orlando Villas Boas, não só um matão interminável e virgem mas, o que é ter conduta, princípios e carater na vida do sertão.

Tambem apreendi com eles que mexer no mato e sua gente tem um custo alto, impagável.

Fotografei o contato com os índios Panara em 1973 e, desde então, carrego comigo as fotos e a certeza de ter sido o veículo da destriução de uma nação.
A vida rolou e eu andei. Andei muito mundo afora, sem perder nunca o mato de vista.

Em 1994 deixei o emprego formal comprei um pequeno barco, o Taba, e com o Almir, comandante  e companheiro viajamos  seis anos para fazer o livro Amazônia O Povo da Ãguas.

Constatei então  que eu estava cada vez mais distante da fotografia da camera na mão, da foto pela foto. O trabalho é pessoal, não tem encomenda, não tem pauta,  nem revista. Tem o compromisso da ética com as comunidades na melhoria da qualidade de  informação, sem os clichês exóticos, sobre este pedaço de mundo único.

Fui aprendendo que a fauna e a flora exuberante, de uma certa forma, atrapalha uma visão mais profunda destes 2/3 de país. Além de encurtar o horizonte o cartão postal com araras, onças e vitórias-régia não sobrevivem sem a floresta em pé.

Na amazônia aprendi a fazer caldeirada de tucunaré com os caboclos que vivem dentro do mato. Um prato simples, feito com cheiro verde(coentro e cebolinha que os caboclos tem plantado até mesmo nas embarcações, mas irreproduzível se o tucunaré não for fresco.

Receita da legítima Caldeirada de Tucunaré Cabocla.

(ficar de olho nos supermercados, eu já encontrei um belo tucunaré fresco, de criadouro, no Pão de Açucar).

Descamar o peixe, retirar a guelra, cortar as nadadeiras e o rabo. Cortar em postas de dois dedos, a cabeça tambem vai. (No Amazonas a cabeça é chamada de “caixa de marchas” e é a parte mais disputada).

Colocar os pedaçõs numa solução de água, limão espremido com a casca e sal e deixar descansar 30 minutos.

Num caldeirão refogar rapidamente, cebola, coentro e cebolinha verde. Juntar os pedaços de peixe bem escorridos e dar uma refogada rápida para aquecer o peixe e despeje uma chaleira de água fervente, tem que cobrir totalmente o peixe, corrigir o sal. Conte cinco minutos depois que levantar fervura e desligue o fogo. Deixe panela tampada por mais 10 minutos.

Coloque num prato fundo com bastante caldo e farinha grossa. Nas feiras pode-se encontrar  a legítima farinha d’água como é chamada por aqui.

Dica: primeiro coloque no prato o peixe, sem caldo, tire todos os espinhos e depois coloque o caldo e a farinha. O caboclo não faz isso porque adultos e crianças já nascem com separador natural de espinhos na boca.


Comida

Comunidade Baniwa em Juivitera, Alto Rio Içana, afluente do Rio Negro

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Moquear, é defumar. É uma forma de fazer com que os alimentos, peixes e caça durem mais. O segredo do moqueado é controlar a temperatura, que deve ser baixa e ao mesmo tempo gerar fumaça.

Os peixes ficam negros como carvão depois de dias no moquem. É o alimento das viagens.

Um prato clássico feito com peixe moqueado é a quinhampira.

As mulheres fervem água num caldeirão com muita pimenta de diversos sabores, os Baniwa tem mais de 100 espécies identificadas, quebram o peixe moqueado dentro, que reidrata, e deixam ferver um pouco, depois desmancham pedaços de beiju e engrossam o caldo.