Pierre Verger e Xangô

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Nunca fui muito de babar na gravata para meus ídolos. Mas, não sei por que encafifei que tinha que conhecer Pierre Verger que fez chapas memoráveis da Bahia. Eu achava, quero dizer, às vezes continuo achando que se tivesse que ter um “q” de algum fotógrafo o meu seria dele. Aliás, me ocorreu agora que eu nunca lembro dele quando me perguntam, “com qual trabalho você se identifica na fotografia?” Que injustiça. E que pergunta chata e sem cabimento, inútil nas minhas contas, mas tem gente que gosta de encher linguiça e tem mania de teorizar e transformar transpiração em inspiração.

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Toda vez que eu ia a Salvador colocava um livro do fotógrafo Pierre Verger na mala e ficava amolando o repórter de plantão da sucursal de Salvador da revista Veja a ir comigo na casa dele. Ninguém topava. A justificativa era que ele não recebia ninguém, morava numa quebrada, não falava mais de fotografia e vivia recluso porque era a maior autoridade do candomblé baiano. Eu só queria conhecê-lo e ter seu autógrafo no livro. Nem pensei em fazer foto quando eu e o repórter João Santana batemos palma na frente de uma casa de madeira de dois andares pintada de vermelho e azul, na periferia de Salvador.

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A janela de cima se abriu em uma pequena fresta e fechou em seguida. Pronto, nada feito, seguido de “eu não te falei”. Um minuto depois a porta de baixo se abre e nós incrédulos e imóveis assistimos Pierre Verger caminhar na nossa direção. Instintivamente e mal educadamente saquei uma pequena auto-focus e fiz duas fotos dele vindo na nossa direção.

Ele abriu um portãozinho de madeira e nos guiou até o andar de cima onde era seu quarto e escritório. Não havia guarda roupa, sapatos e chinelo pelo chão, um banquinho de criado-mudo com alguns livros e um pé da cama apoiado sobre um bloco de concreto.

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A conversa até que durou porque o João Santana estava tentando fazer uma entrevista para as páginas “amarelas” com ele fazia algum tempo mas não conseguia marcar. Eu fiquei de bico fechado, me apresentei na chegada e pedi o autógrafo. Pierre Verger assinou meu livro levantou-se da mesa e tirou de uma mala que estava embaixo da cama mais dois livros e me deu de presente com dedicatória. O João ficou pasmo. Pedi para fotografá-lo e ele consentiu balançando a cabeça. Para nos acompanhar até o portão colocou meias e sapato. Às vezes o flash disparava mesmo eu não querendo e meu ídolo não se incomodava.

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Na despedida foi até o portão segurou minha mão e inclinou-se para beijá-la. O João quase desmaiou. “Pedrão voce tem alguma coisa. Hoje a noite vou te levar no terreiro”.

Eu tinha. Pierre Verger aguardava a visita do Orixá Xangô que chegou na minha pele e foi recebido com todas as honras de um visitante ilustre, mesmo disparando a câmera antes de uma boa tarde.

7 Comentários

Enéas Guerra   em 7 setembro, 2009

Com toda certeza o mestre Fatumbi gostou de você, ao deixar-se fotografar assim bem a vontade! Verger tinha um “campo de força”, que não permitia o que você fez com tranquilidade! Pelas fotos dá pra sentir a expontaniedade dele, o que é difícil de captar, pois convivi com Verger muitos anos fazendo o design de vários de seus livros e bem sei como ele era arredio. Gostei muito das fotos e também do “causo”! Abraço!
Enéas Guerra

juliana   em 7 setembro, 2009

tah explicado! é por isso q vc entende bem se alguem chega em vc assim, desajeitado,disparando flash e pedindo benção…

Débora Benaim Cruz   em 9 setembro, 2009

enebriante tarde…. esta facilidade à você quando como um gato percebe a boa alma, talvez assim esteja explicado o “quê de quem”.

Bruna Prado   em 9 setembro, 2009

Pedro,

uma bela história. Encontro de boas e fortes energias e muita luz certamente.
Abs,
Bruna.

Reiko Miura   em 9 setembro, 2009

Eu cultuo os ídolos, mas de longe. Deve ter sido mesmo um momento muito especial, do tipo “me belisca” pra ver se estou acordado!

Na abertura de uma exposição aqui em São Paulo, um amigo pessoal do Pierre Verger disse uma coisa que sempre me acompanhou: que ele tinha um sapato, duas camisas, algumas meias. Tinha um casaco que ficava na casa de um amigo. Em Paris. Assim despojado, e aquela genialidade. As fotos são incríveis e muitas vezes já me peguei quase chorando vendo as pessoas retratadas por ele.

um abraço.

Leonardo Coutinho   em 15 setembro, 2009

Grande Pedrão!
Essa é uma história de iluminação.
Grande abraço

Gui Christ   em 6 março, 2010

Que história sensacional!!!!!

Ja pude conhecer muito dos fotografos que eu mais admiro e pela sua história pude sentir como poderia ter sido esse encontro!!

Muito obrigado por compartilhar isso conosco!

Abs grande!

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