Algumas constatações

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Para quem aprendeu o oficío dentro de um laboratório fotográfico carregando sacos de hipossulfito de sódio para diluir  e sentir no tato o lado emulsionado de um filme, a fotografia digital é uma mudança e tanto.

Ficar fazendo comparações sobre a vida pregressa é muito chato e não leva a nada. Tem que dançar conforme a música. Agora, as constatações do dia-a-dia são inevitáveis e ainda esta cedo para esquece-las.

Por exemplo, viajar agora é muito diferente. A quantidade de tralhas é muito maior.Tudo depende de energia elétrica, computador, extensões, baterias e caixas estanques porque em nada pode cair um pingo de água, novesfora o tamanho absurdo das cameras atuais quando comparadas com as Leicas M.

Levei anos para me entralhar com o mínimo possível. Hoje, quando toco meus projetos pessoais uso a camuflagem do cidadão comum e não mais o uniforme de fotógrafo com bolsa, colete e outros adereços.

No final de uma viagem ter 30 rolos expostos para quem trabalha na mão, sem motor, por conta própria e sem a pressão de uma encomenda é uma boa quantidade de filmes.

Filme exposto não é mais filme, é ouro.

Com filmes preto e branco é feito o contato que é um bom medidor das camisas suadas ao longo do trabalho.

Enquanto o filme não é revelado é uma angústia. Depois, sobre a mesa de luz

uma filada nas pontas para ver se tudo esta exposto, e a lupa começa a correr sobre os fotogramas alternando euforia e depressão em frações de segundo. É só calafrio.

O contato é o eletrocardiograma do fotógrafo. Um bom editor sabe, pelo contato, como foi o dia do fotógrafo. Aponta no fotograma quantas fotos boas foram atropeladas, não vistas ou feitas com a lente errada. Vai buscar dentro de uma fotograma feito com uma 28mm uma foto que deveria ter sido vista com uma 180mm.

Mais calafrio. O calafrio é ótimo porque aterriza o cidadão. Corta as asas.

A fotografia digital acabou com a angústia, com o contato, com a mesa de luz,  com a lupa ansiosa que vai atrás da foto que a memória não esqueceu.

Fotografar agora ficou mais leve, mais divertido. Não dá insonia.

Outro dia fui comer no Mocotó com meu amigo Dória e, como se estivessemos beliscando um antipasto fotografamos sentado,  ele com o celular e eu com uma câmerinha digital. O Dória seguia a mão do Sr. José Oliveira, pai do chefe Rodrigo, para fazer um detalhe do anel que ele usava e eu me ocupava com o still de dois torresmos e um copo de cachaça. As câmeras longe da cara flutuavam sobre a mesa.

Ao nosso lado duas mesas lotadas não deram a mínima bola para nós. Sem a fantasia de fotógrafo ninguém mais pergunta “em que canal vai passar moço?”.

Isto é o melhor da digital.

 

6 Comentários

Tiago Stille   em 23 março, 2009

Pedro, sou um repórter fotográfico ainda infante (um ano de batente) e fico fascinado com as histórias que encontro aqui.
Seu blog pra mim é parada obrigatória todos os dias.

Forte abraço!

Bruna Prado   em 23 março, 2009

Sinto realmente falta desse “tempo” que a fotografia analógica levava. A espera, os processos que o filme passava até sair no papel/contato.

Lembro bem da necessidade de ser mais cuidadoso no momento do click, afinal não dava para ver e muitas vezes não se podia repetir. Nós tinhamos que entender muito mais.

Não nego que a fotografia agora está ao alcance de todos. Posso estar errada, mas de certa forma até acho positivo. Uma coisa muito me incomoda na fotografia digital, a grande importância para a máquina como tecnologia, é quase um computador que faz foto. E no meio disso esquece do principal entre a imagem e a câmera: o fotógrafo. A capacidade e sensibilidade da figura humana neste processo.

Estudar fotografia sem filme é o mesmo que estudar medicina sem aula de anatomia. O digital é realidade, mas não devemos pular etapas de conhecimento.

Poderia ficar aqui escrevendo por muito tempo ainda, mas fecho com o desejo que o filme não “morra”, estar sem ele e matar a história da fotografia e de muitos de nós.

Pedro, um grande abraço!

Bruna Prado.

Luciano Stabel   em 23 março, 2009

Pedro, acho que esse foi um dos teus melhores posts até agora! Adorei essa frase: “Filme exposto não é mais filme, é ouro.”

Moizes Vasconcellos   em 24 março, 2009

O filme não acabou!!!.. Sobre esse asunto sujiro aos colegas leitores do blog do Pedro Martinelli o ótimo blog de fotografia P/B: http://www.umpostalparaumamigo.blogspot.com/

Fidel   em 25 março, 2009

Quando mostro minha Nikon aos amigos e digo que não da “pra ver” oque se está fotografando eles me perguntam: Mas como é que faz então??? kkk.
É isso aí.

Letânia Chaves   em 27 março, 2009

Por essas e outras que eu desisti de fotografar.

Tá, eu parei porque achei que não tinha vocação mesmo. Mas a constatação de que as horas na frente de um computador seriam cada vez mais e mais… Foi fatal.

Beijos!

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