O povo do sal

Os pescadores artesanais da Ilha do Marajó, na costa do Pará, enfrentam ondas gigantescas e piratas para tirar do mar o seu sustento. Garantido também pela venda do grude e por uma forma típica de assar peixe: o avuado.

Coluna da revista Sustenta

A amazônia salgada, na região da Ilha do Marajó, que o rio Amazonas abraça antes de entrar no mar é uma costa feita de manguesais, furos, rios e igarapés que tem pouco a ver com na nossa beira mar clássica, turística, o nosso cartão postal que o mundo reverencia. Ao contrário, enquanto o rio Amazonas fica tentando dominar o mar  a água é barrenta. A maré baixa mostra  árvores inteiras boiando e batendo  com violencia na costa que, vista do mar, é uma parede verde, sem vestígio de gente. Um atoleiro sem fim.

O “povo do sal” e “povo do doce” podem estar distante centenas de kilometros um do outro, mas o caboclo é o mesmo, eles vivem da natureza.

Ali, o forte do extrativismo não é a madeira mas tudo o que o mar pode fornecer para sobreviver e comercializar. O remédio, o açucar  e uma roupa são o mar.

Em embarcações a vela, minúsculas,  homens navegam fazendo pêndulo sobre vagalhões assustadores para poder sobreviver. Poucos são “fichados”, carteira assinada.

Os homens estão atrás da pescada amarela , o peixe mais  delicioso daquele mar  mas, a sua carne vale pouco, o que vale é a bexiga nadatória, conhecida como grude que chega a valer mais de U$ 100,00 o kilo no mercado internacional. Relatórios das Docas do Pará mostram que o Brasil exportava 500 kilos de grude  por mes nos anos sessenta. Serve como matéria prima para fabricar colas especiais.

Nos dias de hoje quem lida com o grude corre risco de vida. Bandos de piratas em barcos potentes assaltam estas pequenas embarcações para roubar o grude da pescada amarela e da gurijuba, mas aproveitam e levam tambem as redes, relógios e as correntinhas de ouro dos pescadores. Nas grandes embarcações, a maioria vindas do nordeste, com tripulações de mais de 20 homens um vigia armado roda o barco durante a noite, pronto para atirar em quem se aproximar.

Sai num barco pequeno com dois pescadores e levei uma camera Nikonos,  que serve para fotografar debaixo d’água, achando que ia me safar dos respingos do mar agitado. Imagina!

Tomei tanto banho que não consegui trocar o filme que eu havia colocado em terra firme.  Deste único filme saiu a chapa ao lado  e o prazer de ter comido o  avuado, peixe assado rapidamente sobre brasas, que os pescadores comem quando estão no mar.

A primeiro lance de rede do dia é feito pensando no café da manhã.  Os peixes pequenos de escama de um palmo e meio são os melhores. Enquanto um pescador trata o peixe, lavando na água do mar, passando sal e limão o outro vira o laqueiro para o vento para atisar o fogo feito de carvão.

O peixe espalmado e com as escamas é colocado com a carne em contato direto  com as brasas . Um minuto de cada lado e esta pronto o avuado que é comido com farinha.  “Pode comer a vontade,  quantos quizer. Esta é a nossa vida, enquanto a rede esta na água, com a maré pescando para nós,  a gente descansa e come avuado”.

Nos dias de hoje  as baixas temperaturas são a bola da vez na alta gastronomia. Sera que o avuado descrito com capricho  teria chance em algum cadápio?

3 Comentários

cris couto   em 24 fevereiro, 2009

Pedro José (não sabia deste!) Martinelli,

Que delícia vc aqui conosco na blogosfera. Eu sei, eu sei: não há mais lugar nas publicações para pé na estrada, grandes apurações, fotos arrebatadoras e autorais, artigos sobre coisas que realmente valem a pena – e não aquelas “pautas” que sobrecarregam diariamente nossos emails.
Mas pelo menos temos este lugar, no ciberespaço: um lugar nosso, prá falarmos o que quisermos, na hora que nos der na veneta e sem edições de outrem. É nóis, então! Bem-vindo e sucesso, viu?

da amiga blogueira

Rafael Jorge   em 26 fevereiro, 2009

Cara,

grande relato! Em pensar que existe antropologo e sociologo que nunca sairam da academia… e pior, tem gente que quer acabar com a criminalidade a base de lei e opressão… falta justiça, pé na estrada, olho e lente, coração e gente como você, que junta tudo isso com um blog como esse!

Parabéns!

George   em 28 fevereiro, 2009

Pedro Martinelli, agradeço por compartilhar as suas experiências mostrando uma visão e também reflexão dos temas, é realmente muito oportuno esta iniciativa de sua parte.
Obrigado e um abraço.

George Massahide

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