“Comeu jaraqui, fica aqui.” (dito popular na cidade de Manaus)

Todo mundo carrega  uma lista imensa de pendências para o ano novo que chega. Tem coisa que fica enroscada  muito tempo.  Conheço  gente que já viajou os quatro cantos do Brasil e do mundo mas reclama porque ainda não conseguiu ir para a amazônia.

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É compreensível. O viajante quer ir para a Amazônia na certeza de ver tudo o que foi mostrado pela televisão durante anos. Ele precisa ticar da lista de coisas para fazer, arara, vitória régia, sucuris enormes, onça pintada, boto cor de rosa e índio nu. Além disso, quer provar todas a frutas exóticas e os peixes, de preferência os carnudos sem espinhas. Ah, se desse também gostaria de ver a festa do boi em Parintins.

A propaganda sobre as maravilhas deste paraíso selvagem faz com que o viajante desavisado acredite que tudo esta disponível para ser visto e desfrutado com mesma facilidade que se vê os golfinhos saltando em Orlando, na Flórida.

A probabilidade de sair de uma agência de viagens com um pacote de quatro noites para um hotel de selva nas cercanias de Manaus é enorme.

Na chegada vai ser recebido como se estivesse chegando no Havaí, com sucos de fruta e caboclas fantasiadas de índio. Dai para frente é só armadilhas, ninguém escapa. Em um destes hotéis as suítes  homenageiam hóspedes ilustres como Helmut Cohen, Xuxa e Pelé com  seus nomes esculpidos na porta. No entorno do hotel estão de prontidão macacos e araras para as fotos de praxe. Dois bichos a menos na lista de pendências. Abra o olho, não deixe sua câmera fotográfica um segundo. A chance de um macaco prego colocá-la no pescoço e sair fazendo fotos de você de cima de uma árvore são enormes.

Dai para frente o hotel faz das tripas coração para preencher o tempo dos turistas. Uma caminhada de uma hora por uma picada escolhida a dedo para atender todas as idades com guia local que arruma nome para qualquer pergunta sobre a marca das árvores além de enumerar uma por uma as lendas do mato. As histórias deixam os turistas impressionados. Passeios por igapós  que culmina sempre com uma pescaria de piranha. Um pedaço de carne sêca no anzol e todo mundo vai pegar a sua piranha, isto é garantido. O auge do programa é sair uma noite, depois do jantar, para fazer focagem de jacaré. Pobre jacarezinho, um bichinho de no máximo cinquenta centímetros é pego pelo pescoço e, estrangulado, é mostrado para os turistas que fazem um tiroteio com seus flashes. Depois o guia faz com que todos toquem o coitado que, sem dúvida, ficara traumatizado para sempre.

O clichê exótico encurta o horizonte de um mundo pouco conhecido e compreendido por nós brasileiros, por isso quero propor um roteiro para que o viajante sinta-se absolutamente dono de seu nariz e navegue livre para poder entender e descobrir que a Amazônia não se resume a um punhado de cartões postais insossos.

Faça uma mochila leve e compre uma passagem para Manaus com chegada durante o dia. Siga do aeroporto direto para o Teatro Amazonas. Você estará no coração da cidade. A pé, no entorno da praça procure um hotel do seu agrado.

Você poderá tentar fazer isto pela internet mas nada melhor que fazer a avaliação in loco. Escolha um quarto arejado e prepare-se para bater perna e conhecer um pedaço da Amazônia real.

No mercado você vai ver os melhores peixes de água doce deste país, uma fartura que os rios fornecem diariamente. Também vai constatar facilmente que aquela fartura não vai durar muito tempo. A Amazônia bem olhada e sentida é assim, faz você sentir amor e ódio varias vezes por dia.

Não saia do mercado sem provar um jaraqui frito com baião de dois, farinha e pimenta murupi.  Uma caldeirada de tucunaré, e um pacuzinho prata. É o que há de melhor.

Vá para o parapeito do rio Negro e imagine que aquelas embarcações que estão lá longe, na praia distante, estarão em seis meses,  a um metro de você, batendo  na calçada da avenida beira rio. Nunca conseguimos imaginar tamanha grandiosidade. Ela, a Amazônia, fica o tempo todo te lembrando que você é um ser insignificante, principalmente quando você se imagina um ponto no mapa do Brasil.

Compre uma rede simples de algodão, esqueça aquelas de nylon que viram um pacotinho, elas não respiram e você vai morrer de calor.  Escolha um destino de acordo com sua disponibilidade,  os barcos tem cartazes informando destino, dia e hora da partida e a maioria oferece café da manhã, almoço e jantar incluído no preço da passagem.  Escolha um rio e assista ao maior espetáculo da terra.

Faça da janela a tela do cinema e deixe o filme passar,  converse com a caboclada, pergunte , tire dúvidas, eles são bons conversadores e ótimos contadores de histórias.  Os caboclos são a melhor e mais confiável fonte de informação  sobre aquele pedaço de chão. Não tente preservá-la sem escutá-lo.

Pedro Martinelli

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